"Prismas", da autora Victoria Schechter, não é autobiográfico, mas deixa claro que deficiência não é algo que se supera, mas algo com que se aprende a viver
Acaba de ser lançado o livro “Prismas”, primeira publicação de Victoria Schechter, pela editora Patuá. Trata-se de um romance que retrata a realidade da pessoa com deficiência visual, passando por reflexões sobre o capacitismo e saúde mental, além de questionamentos sobre o corpo feminino em uma sociedade de olhares e julgamentos constantes. Embora Victoria Schechter seja deficiente visual, o romance não é autobiográfico.
A trama gira em torno da personagem Isabel, uma cantora cega que também é professora de música, com uma vida estável e bem-sucedida. Até que uma gravidez não planejada muda a rota da sua vida. Durante uma longa viagem de avião, a protagonista tem flashbacks de vários momentos de sua vida e tudo o que a levou até aquele momento.
Sempre pontuada por músicas que povoam seus pensamentos, a viagem por suas memórias é marcada pelas questões ligadas ao olhar e ao corpo da mulher com deficiência. Assim como sua infância rica na família de cafeicultores decadentes do interior de São Paulo, o isolamento causado pela família que, por ter nascido cega, a vê como a maçã podre da árvore, a descoberta de um pertencimento por meio da música e as primeiras experiências amorosas, sexuais e de seu próprio corpo.
Os pensamentos da personagem não seguem uma ordem cronológica. Assim como um caleidoscópio, que mostra a cada rotação uma imagem diferente, as memórias de Isabel, narradas em sua própria voz, se intercalam com capítulos em terceira pessoa. Ademais, focados em personagens coadjuvantes, cujos olhares recaem sobre a protagonista. Isabel revive as turbulências de seu passado no esforço para encontrar em si o espaço que tanto procura. Aliás, a permissão para ter um olhar próprio, construir uma vida que é completamente sua e abrir-se à capacidade de gerar seus próprios frutos.
De acordo com Victoria Schechter, a decisão de escrever o romance surgiu para expor o fato de pessoas cegas precisarem lidar diariamente com inúmeros estereótipos e preconceitos na busca por serem reconhecidas como sujeitos plenos. “A cegueira fascina filósofos e escritores desde os primórdios do pensamento ocidental –do profeta Tirésias à metáfora da razão como luz da Renascença; da cura bíblica dos cegos por Jesus Cristo às alegorias distópicas do século XX– e as projeções discursivas da visão que acabaram por gerar um imaginário coletivo sobre a cegueira estão, na verdade, distantes da experiência concreta da falta da visão”, declara a autora.
“Na literatura, pouquíssimas vezes a deficiência visual foi tratada como experiência social e corporal bem como recurso narrativo. Meu romance tem o objetivo de começar a preencher esse vazio dando voz a uma mulher cega. Busquei desnudar algumas realidades da experiência do corpo feminino com deficiência, sempre visto como estéril, isolado do desejo em uma sociedade sexista e capacitista, e, a um só tempo, apresentar um recorte do nosso olhar comum e de onde ele falha”, explica Victoria.
Julián Fuks, escritor, crítico literário e autor de “Histórias de Literatura e Cegueira”, assina a orelha do livro Prismas, com a seguinte afirmação: “A literatura de Victoria Schechter é única, porque é única a sua perspectiva. A cegueira já foi algumas vezes retratada como uma questão sensorial, como um acesso distinto às imagens do mundo. Aqui, a partir da experiência da autora e de sua grande habilidade em sintetizá-la, a cegueira se torna algo maior, se torna uma importante questão social, que afeta de maneira forte e inesperada cada uma das relações humanas. Não são só as imagens do mundo que ganham outra dimensão: é a própria compreensão do mundo que se transforma pelo olhar clarividente da autora”.
Victoria Schechter nasceu em 1992, na cidade de Santos, São Paulo. Vinda de uma família de músicos amadores e leitores vorazes, aprendeu a paixão pelo narrar desde pequena.
É bacharela em Letras pela USP, pós-graduada em Formação de Escritores pelo Instituto Vera Cruz e tem mestrado em Escrita Modernista e Contemporânea pela University of East Anglia, em Norwich, Inglaterra, onde atualmente cursa doutorado.
Sua pesquisa se focaliza na relação entre literatura e deficiência. Sua dissertação de mestrado explorou as maneiras como a cegueira se emprega na literatura. Por exemplo, analisando obras de Jorge Luís Borges, Clarice Lispector e Raymond Carver. Aliás, autores que têm como modelos, ao lado de Virginia Woolf, Sylvia Plath e contemporâneos como Toni Morrison, Donna Tartt e Elena Ferrante. É deficiente visual de nascença e Prismas é seu primeiro romance. Escreve para abafar o silêncio.
Serviço – livro Prismas
Editora: Patuá
Nº páginas: 247 páginas
O livro está disponível no formato físico e em e-book
Mais informações e vendas: https://www.editorapatua.com.br/
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